Atualmente se permite que no Brasil as empresas de apostas não somente atuem, mas também que façam livre e insistentemente as suas propagandas. Especialistas têm alertado que o excesso dessa oferta gera, além do aumento do número de apostadores, o aumento da dependência patológica (veja a entrevista de um desses especialistas aqui). Isso é legal?
Sim, é legal. A legislação brasileira permite tudo isso. Assim, não falamos de algo fora da lei. Por outro lado, temos que nos atentar aos outros setores a serem prejudicados, como é o caso da saúde pública, visto que esta também é uma responsabilidade social. Indícios apontam para um aumento exponencial da demanda por serviços públicos de saúde mental já que, segundo o colunista do UOL, Kennedy Alencar, em matéria veiculada no YouTube em 25 de setembro de 2024, “o Banco Central informou que 3 milhões de reais foram empregados em apostas a partir de brasileiros cadastrados no programa bolsa-família”.
Se o contexto “epidêmico” de apostadores patológicos realmente se consolidar, poderemos ter tanto um problema a mais na saúde pública quanto um problema a mais na economia. Os custos gerados para os tratamentos deverão ser cobertos pelos impostos que sustentam o SUS, que já é carente de recursos financeiros. Ou seja, mais uma carga aos brasileiros. Em casos como este, o primeiro mover inteligente é a potencialização dos recursos de avaliação, de monitoramento e de controle. O instrumento que melhor auxilia nessa análise é a Classificação Internacional de Funcionalidade – CIF. E como ela pode ajudar?
A CIF estratifica variáveis para organizar e documentar o aspecto elementar da saúde humana: a funcionalidade. Para isso, o ambiente exerce um fator preponderante. É por isso que algumas categorias da CIF fazem parte do componente intitulado fatores ambientais. Exemplos de categorias aplicáveis ao impacto social da regulamentação das apostas são: e550 (serviços, sistemas e políticas legais), e465 (normas, práticas e ideologias sociais) e e460 (atitudes sociais). Nesta hipótese, todas essas categorias, quando transformadas em códigos, indicariam influências negativas na vida dos cidadãos.
Os impactos negativos afetariam o desempenho das pessoas, aumentando a dificuldade delas nas suas tomadas de decisões (d177), na resolução de problemas (d175), nas relações familiares (d760) e, por último, na autossuficiência econômica (d870). Tudo isso é identificado pela CIF com esses conjuntos alfanuméricos entre parênteses.
Toda a situação poderia ainda influenciar diretamente as funções mentais, acarretando, por exemplo, problemas na estabilidade psíquica (b1263). Além disso, disfunções prévias poderiam estar presentes em alguns casos, como anormalidades do controle de impulsos (b1304), do autoconhecimento (b1644) e da responsabilidade (b1262).
De qualquer forma, a voz dos especialistas precisa ser ouvida enquanto houver tempo. A facilidade de apostar por meio de aparelhos que estão nas mãos das pessoas, os celulares, não é uma solução, mas um sério problema social. O vício em celulares, tablets e afins, que ocorre por meio da liberação de dopamina (o hormônio do prazer), é semelhante à qualquer outra dependência química.
Não somente a CIF, mas também as versões mais atualizadas da CID (Classificação Internacional de Doenças) também descrevem essas condições, conforme abaixo:
- Na CID-10.
Z72.6 Mania de jogo e apostas.
F63.0 Transtorno dos hábitos e impulsos – jogo patológico.
- Na CID-11.
QE21 Participação prejudicial em jogos e apostas.
6C50 Transtorno de jogos.
Um caso completo codificado, além dos códigos da CID acima, poderia ter os seguintes códigos completos da CIF:
- e550.4 serviços, sistemas e políticas legais como influências negativas para uma sociedade despreparada.
- e465.4 práticas e ideologias de estímulo às propagandas de empresas de apostas como influências negativas para uma sociedade despreparada.
- e460.4 atitudes sociais de estímulo às práticas de apostas como influências negativas para uma sociedade despreparada.
- d177.30 dificuldade severa para boas tomadas de decisões.
- d175.30 dificuldade importante para resolução de problemas.
- d760.30 dificuldades sérias nas relações familiares.
- d870.30 dificuldades intensas na autossuficiência econômica.
- b1263.3 instabilidade psíquica.
- b1304.3 descontrole de impulsos.
- b1644.4 ausência do autoconhecimento.
- b1262.4 ausência de responsabilidade.
É urgente que o poder público, os técnicos do setor econômico e do setor saúde tomem providências imediatas para evitar o impacto social do contexto que vem se construindo nos últimos anos ao redor das empresas de apostas no Brasil.
Dr Eduardo Santana
Grupo CIF BRASIL₢
Uma empresa com o DNA da USP
Muito interessante a visão e muito apropriado para o momento. O crescimento da população de apostadores no Brasil foi enorme nos últimos anos, e certamente impactos na saúde funcional aparecerão. Codificar esses pacientes para monitorar é de suma importância.
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